Os anos passaram e a menina começa a refletir novamente. Quem são aqueles que estão na fotografia preta e branca? Quem são aqueles que só ficaram na memória dos que já foram ou estão pra ir?
Tão lúcida aquela tia aparenta, o andar cuidadoso, o abraço receoso de machucar o corpo que sustenta tantos anos de experiência, de uma vida que está só em sua mente... aquela pele consistente que certamente aguentou primaveras ao sol, bebês em seus galhos que acolhem até os dias de hoje os que desejam reencontrar com o passado... a lucidez que os netos e bisnetos jamais terão...
Quem são aqueles que foram corrompidos por uma doença que matam tantos? O porta-retrato que não existe em nenhum canto da casa...só na lembrança de parentes antigos e amigos...
A menina que não conheceu os avós maternos nessa vida aprecia uma fotografia não-palpável, mas imagética... a que cria com as palavras ditas pela mãe, pelos tios e conhecidos... avós que certamente desaprovariam a vivência dela, sua loucura tão visível...
Quem são aqueles que optam por uma espiritualidade que abdica do bem-estar? A expressão confusa da menina indica que não entende o porquê deles não tomarem remédios para se curarem... de cuidar da sua saúde ou do que resta dela para ter um final menos doloroso...
Os avôs paternos que estão ali tão próximos, mas tão distantes da realidade atual... como a menina conseguirá compreender os pensamentos, a ética, o modo de vida deles sem ferir o seu? Como inserir as polaridades sem causar choque e estranhamento?
Como a menina se sente sabendo que um irmão vai para outro lado do Atlântico? A sensação lhe parece estranha, não quer sentir saudades ou pensar sobre ela... mas os dias passam e a data vai chegando e seu modo de agir denuncia que sentirá muito a sua falta, por pequeno que sejam os 5 meses previstos...
Uma fotografia do seu ídolo na estante do quarto, outra dentro da carteira junto com outra de outro irmão...
Qual a sensação de um irmão indo para outro lado do Atlântico por 5 meses e outro voltando de anos e casando? A menina não quer pensar, mas os sentimentos começam a transbordar... o que sente são duas perdas, ambas altamente dolorosas...
A menina cala seu ser por alguns instantes e resolve podar e trancafiar os sentimentos que lhe afligem... mas pensa no monstro que se transformou... chega a se comparar ao cisne negro em todos os sentidos... martiriza-se com palavras proferidas por outra pessoa, os dias passam e o que era vai se findando, somente lhe restam alguns cacos do que fôra... menina que vai se transmutando em mulher, em um ser adulto que assusta... menina que adquire conhecimentos e se torna medíocre... menina que foge da construção de si... mulher que deseja resgatar a simplicidade dos seus anos de criança e de inocente... mulher que quer apreender o universo de sua tia centenária, dos seus avôs que já foram e dos que ficaram, resgatar suas raízes para construir uma identidade totalmente sua... de uma mulher, enfim, madura.