sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Refletindo sobre família

Os anos passaram e a menina começa a refletir novamente. Quem são aqueles que estão na fotografia preta e branca? Quem são aqueles que só ficaram na memória dos que já foram ou estão pra ir?

Tão lúcida aquela tia aparenta, o andar cuidadoso, o abraço receoso de machucar o corpo que sustenta tantos anos de experiência, de uma vida que está só em sua mente... aquela pele consistente que certamente aguentou primaveras ao sol, bebês em seus galhos que acolhem até os dias de hoje os que desejam reencontrar com o passado... a lucidez que os netos e bisnetos jamais terão...

Quem são aqueles que foram corrompidos por uma doença que matam tantos? O porta-retrato que não existe em nenhum canto da casa...só na lembrança de parentes antigos e amigos...

A menina que não conheceu os avós maternos nessa vida aprecia uma fotografia não-palpável, mas imagética... a que cria com as palavras ditas pela mãe, pelos tios e conhecidos... avós que certamente desaprovariam a vivência dela, sua loucura tão visível...

Quem são aqueles que optam por uma espiritualidade que abdica do bem-estar? A expressão confusa da menina indica que não entende o porquê deles não tomarem remédios para se curarem... de cuidar da sua saúde ou do que resta dela para ter um final menos doloroso...

Os avôs paternos que estão ali tão próximos, mas tão distantes da realidade atual... como a menina conseguirá compreender os pensamentos, a ética, o modo de vida deles sem ferir o seu? Como inserir as polaridades sem causar choque e estranhamento?

Como a menina se sente sabendo que um irmão vai para outro lado do Atlântico? A sensação lhe parece estranha, não quer sentir saudades ou pensar sobre ela... mas os dias passam e a data vai chegando e seu modo de agir denuncia que sentirá muito a sua falta, por pequeno que sejam os 5 meses previstos...

Uma fotografia do seu ídolo na estante do quarto, outra dentro da carteira junto com outra de outro irmão...

Qual a sensação de um irmão indo para outro lado do Atlântico por 5 meses e outro voltando de anos e casando? A menina não quer pensar, mas os sentimentos começam a transbordar... o que sente são duas perdas, ambas altamente dolorosas...

A menina cala seu ser por alguns instantes e resolve podar e trancafiar os sentimentos que lhe afligem... mas pensa no monstro que se transformou... chega a se comparar ao cisne negro em todos os sentidos... martiriza-se com palavras proferidas por outra pessoa, os dias passam e o que era vai se findando, somente lhe restam alguns cacos do que fôra... menina que vai se transmutando em mulher, em um ser adulto que assusta... menina que adquire conhecimentos e se torna medíocre... menina que foge da construção de si... mulher que deseja resgatar a simplicidade dos seus anos de criança e de inocente... mulher que quer apreender o universo de sua tia centenária, dos seus avôs que já foram e dos que ficaram, resgatar suas raízes para construir uma identidade totalmente sua... de uma mulher, enfim, madura.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Eu sou doadora


Eu sou doadora do meu tempo, do meu calendário, dos calendários espalhados por cada cômodo da casa. Talvez eu dê os relógios que marcam o tempo futuro e o tempo que não quero aguardar.

Sou doadora de uma insana angústia!

Sou doadora do sangue tipo B+, nas minhas veias correm esse líquido e talvez o meu DNA. Quero que doem meus órgãos quando eu vier a sair desse mundo... não quero que a terra coma e apodreça algo que poderá ser usado. Há tantos vermes nos terrenos que a terra terá do que se alimentar.

Doarei minha medula óssea para quem possa servir, há tantas células em mim, há tanto que distribuir...

Eu sou doadora do saber que a mim compete, doo minhas palavras para serem eternizadas. O que eu quero com meu corpo? Farei uso dele até quando eu puder depois ele estará a mercê da ciência que confio... não quero um lugar no cemitério para ser lembrada, para receber flores... quero ser recordada pelos meus escritos e meus atos... não quero ocupar espaço no mundo térreo.

Talvez algumas de minhas doações sejam utópicas... talvez ninguém queira receber o que vem de mim... mas aqui estará gravado os meus desejos, eternizados ciberneticamente...

Como 100º post escolhi o tema “Doação”, afinal, doei até hoje 99º pensamentos e poemas para a internet, ou pelo menos para o blog, doei o que acredito que seja o meu Ser, o que sou, do que sou CONSTITUÍDA, sejam coisas boas ou ruins.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Ritmos



Ao som do rock and roll com um toque de samba o samba se faz dentro dela. Seus pés descordenados dançam uma dança tão estranha... o joelho dobra, o gingado daquela moça o fascina... mas o “O” a incomoda tanto... queria que fosse “A”.

A saia rodada, o cabelo cheio de cachos soltos, o sorriso nos lábios e o suor escorrendo pelo rosto... As unhas pintadas, a pinta na palma da mão... de pés descalços no cimento do fundo do quintal, a planta não áspera... de pernas cruzadas, as coxas à mostra na sua total sensualidade.

Mesa de madeira, a cadeira um pouco afastada do palco... cotovelos apoiados e os olhos admirando a apresentação... o solo perfura seus tímpanos, as correntes elétricas perpassam seu corpo, ela se levanta e fica de frente a beldade que admira. Uma guitarra. Pega pela sua cintura, coloca em seu colo e tira o som que a tanto tempo desejava ouvir de suas cordas... Ela se deita e chora...

O violão e a voz ao fundo a chama... caminha com seus pés aflitos em busca da sinfonia que a atrai.... prosta-se em frente àquela imagem e pensa... uma luz sai do seu corpo, flutua e vai embora...

O samba que toca dentro de si é o rock que se expressa fora do seu eixo... os acordes às vezes parecem o mesmo, mas muitas influências externas modificam o que está sendo criado... e ela... ela ao seu ritmo vai levando seus sonhos mais transtornados... ela vai-se... deixa-se para torna-se.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Ser ou não ser?


Entre quatro paredes ela se pergunta, quem sou eu? Os objetos que compõem seu quarto certamente poderiam identificá-la, mas são vários Eus que se confundem em cada espaço de sua minúscula habitação.

Prosta-se nua em frente ao espelho e vê que as mudanças ocorreram, aquele corpo de menina há muito tempo se foi... e agora é uma mulher!

Ela se conhece em cada toque de suas mãos, a cada carícia dada que enfeitiça seu ego... ela se deita e proclama!

A pergunta novamente a chama... Quem sou eu?

A pele negra com manchas de sol nunca a incomodara... considera-se negra?

Em sua estante alguns livros se encontram, mas nenhum deles falam de sua raça e sim dos seus sentimentos.


Negra talvez seja,

Mas não sabe de sua cultura

A cor está na pele,

Mas a consciência é imatura.


Grita aos quatro ventos

Que é descendente de africano,

Em seus olhos vemos o preconceito

De um povo traiçoeiro.


A História foi traçada

Basta se adaptar

Saiba quem você é

Pra depois dar no pé.